quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

São Paulo e a Câmara Técnica

Vamos comparar os procedimentos em São Paulo (referência no setor de transplantes) e no Rio de Janeiro. Vamos verificar como a mídia lida com as fontes para suas matérias e entender como se produz a desinformação.
O CASO DO RIO DE JANEIRO
Matéria de O Globo online 06/08/2008
Segundo a Defensoria Pública:

2) A Câmara Técnica só se reuniu uma vez desde julho de 2006, de acordo com Ordacgy. O defensor afirma que os encontros deveriam ser mensais ou bimensais.

O que dizia a superintendente de Atenção Especializada da Secretaria de Saúde e, agora, coordenadora da Central de Transplante do Rio:
Matéria do Estadão de 18/08/2008

"Para a superintendente de Atenção Especializada em Gestão de Tecnologia da Secretaria Estadual da Saúde do Rio, Hellen Myamoto, a equipe de Ribeiro Filho burlou a legislação. Ela afirma que a Câmara Técnica está em condições de dar seus pareceres em tempo hábil para que o fígado possa ser transplantado. "A equipe (médica) não tem autonomia, o paciente tem de estar na lista e a Câmara tem de dar parecer favorável."

seis meses antes:
Segunda-feira, 14 de janeiro de 2008 - 20h49
Brasil: Família espera mais de 20 horas para doar órgão de parente no RJ

dois dias depois:
Quarta-Feira, 20 de Agosto de 2008
O Estado de São Paulo
Chefe de transplantes sai após erro
Rio afasta coordenadora porque paciente de 51 anos recebeu rim no lugar de mulher de 60; nome era parecido

dois meses depois:
Veja reportagem publicada apenas pelo jornal O DIA
01/11/2008 00:49:00
Fim da esperança de doar
Após uma semana, coração de rapaz com morte encefálica pára e órgãos não podem ser aproveitados


dezembro de 2008
Carta de Rejane Alves


O CASO DE SÃO PAULO
Agora, um caso de São Paulo, estado considerado exemplar no transplante de órgãos:
O Estado de S. Paulo, 19/10/2007
'Outras equipes médicas deveriam ter visto o fígado'

Sérgio Mies: cirurgião
Médico sob a acusação de transplantar órgão que não estaria em boas condições se diz inocente

Trechos da entrevista com o médico Sérgio Mies (caso em que é muito provável que seja inocente):
A central de transplantes, quando ofereceu o fígado, informou que o órgão tinha entre 40% e 50% de gordura...

Pareceu-nos estranho que o fígado tivesse esse índice de gordura sendo que todos os exames eram normais. Por isso, resolvemos examinar o fígado visualmente. E constatamos que aquele fígado era maravilhoso.

A sua equipe havia recusado esse mesmo órgão para uma paciente que estava na frente na lista de espera...

Sim, porque essa outra paciente estava muito desnutrida. O fígado de uma mulher de 71 kg não cabe na barriga de uma mulher de 40 kg. O motivo foi a incompatibilidade de peso, a questão anatômica.

O sr. realizou algum exame detalhado no fígado para comprovar que ele era realmente bom?

Fizemos duas biópsias após o transplante. O fígado tinha 10% de esteatose (índice de gordura). Era um fígado maravilhoso. Se fosse necessário, faríamos novamente o transplante com aquele mesmo órgão.
(...)
As equipes médicas que rejeitaram antes o fígado erraram, já que o órgão estava em boas condições?

Não gostaria de entrar nessa questão. O que posso dizer é que poderiam ter pedido para olhar o fígado, como nós fizemos. Teriam visto que estava em perfeitas condições.

Ver ainda: "Acusados de erro, médicos podem ir a juri popular"
As perguntas que ficam:
Qual é afinal de contas o papel da Câmara Técnica? Ela avalizou todos os procedimentos do início ao fim? Se ela atuou nesse caso, como pode ter cometido um erro como esse? Ou as equipes erraram? Ou o médico errou?

O Dr. Sérgio Mies fez uma análise visual do fígado? Então, esse é um recurso possível de análise do órgão? Pode haver divergência entre análise visual/clínica e os exames da Central de Transplante? A transplantada não era a primeira da fila? Isso ocorre com freqüência?

Se a Central de Transplantes ofereceu o fígado com 40 a 50% de gordura, isso significa que São Paulo trabalha com fígados "marginais" (o que tem sido sempre negado nas reportagens)?

Houve mais casos como estes (sem que a pessoa transplantada tivesse morrido)?
Pois é... como o transplante é bem mais complicado do que querem fazer parecer a Central de transplantes do Rio, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a imprensa.


Quando o Dr. Silvano Raia e sua equipe operaram Florestan Fernandes, com 74 anos, em 1995 (nas condições precárias em que ele se encontrava), essa situação estava dentro dos critérios considerados adequados pelo sistema de transplante? O que se seguiu depois foi um verdadeiro jogo de empurra-empurra na atribuição da culpa pela morte do sociólogo (ver: Florestan Fernandes).

O Dr. Joaquim Ribeiro Filho poderia ter, ao menos, o direito a isonomia no tratamento de questões que envolvem o transplante no Brasil. O curioso é que tanto o Dr. Silvano Raia quanto o Dr. Sérgio Mies são usados o tempo todo como fontes nos jornais. Até para falar do caso do Dr. Joaquim...

Nada contra... afinal, tiveram ou estão tendo o direito de se defender.

Ver: matéria da Revista Época de 1998 com o Dr. Sérgio Mies e o Dr. Ben-Hur Ferraz Neto sobre uso de fígados marginais. Vejam bem: 1998.

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