É assustadora a superficialidade e parcialidade da cobertura que está sendo feita na imprensa de modo geral, para a última iniciativa midiática da Polícia Federal, na acusação de desvio de órgãos contra a equipe de médicos de transplante de fígado do Hospital Universitário Clementino Fraga, da UFRJ, e na prisão do Dr. Joaquim Ribeiro Filho. E é espantosa a facilidade com que a imprensa reproduz e dá espaço a ações da PF sem preocupar-se em investigar minimamente as acusações, apurar os fatos, levantar o histórico dos acusados, ou ouvir opiniões de especialistas e médicos isentos sobre o funcionamento da fila de transplantes.
O processo legal apenas agora está sendo instaurado, após um inquérito de 5 anos sempre baseado no mesmo caso de 2003. Porém, a condenação através da mídia do Dr. Joaquim Ribeiro e de sua equipe já se deu. Com um longo processo legal pela frente, como tipicamente é o caso no Brasil, ele e sua equipe permanecerão culpados. Ao fim desse longo processo, ao serem inocentados judicialmente (o que estou certo que ocorrerá, dada a falta de fundamento da acusação), o dano à sua imagem e atuação profissional já terá ocorrido de forma irreversível. E permanecerá em ampla parcela da população a percepção de que, mais uma vez, "poderosos" não foram condenados.
Esse padrão, já algumas vezes verificado no passado recente, e ao qual a imprensa se mostra receptiva e acrítica, se repete nesse caso. E a imprensa, conhecedora da prática e de suas intenções e riscos, tem a obrigação de mostrar-se mais atenta, cuidadosa e investigativa. Ainda mais diante de um caso claramente complexo e de um acusado de reputação até então impecável. Mas não o fez - minimamente.
Dr. Joaquim Ribeiro foi o primeiro médico a fazer transplantes de fígado no Rio de Janeiro, no início da década de 90. Ele retornou do seu doutorado na França para criar o primeiro programa de transplantes de fígado do Rio e em um hospital público, formou a grande maioria dos médicos que praticam transplante de fígado no estado, optou por fazer cirurgias na rede pública quando poderia ter se dedicado apenas a uma prática privada que o teria enriquecido. Ele só tem sua casa e nenhuma outra posse. E está sendo acusado de modo vil e infundado.
Dr. Joaquim realizou mais de quatrocentros e cinquenta transplantes - a vasta maioria deles na rede pública. A denúncia do Procurador do MPF limita-se a dois casos. No primeiro caso, do Sr. Jaime Ariston, em 2003, o corpo técnico do CRM-RJ concluiu por unanimidade (21 votos a 0), após instrução longa e minuciosa, que o Dr. Joaquim Ribeiro procedeu de maneira absolutamente correta quando da realização do transplante. No segundo caso, do Sr. Carlos Augusto Arraes, em 2007, o transplante foi realizado por meio de ordem judicial, da qual não houve recurso, sem que nenhum paciente da fila de transplante fosse preterido uma vez que o órgão já estava destinado ao lixo.
As declarações do Delegado da PF à imprensa, no entanto, são cheias de acusações que não foram incluídas na denúncia. A mídia ignorou a enorme discrepância entre as acusações do Delegado e o texto da denúncia do MP Federal.
Levanto algumas perguntas básicas sobre informações divulgadas sem maior investigação:
- Como pode o Delegado da PF acusar o Dr. Joaquim e equipe por crimes não incluídos na denúncia apresentada pelo MPF?
- Como o grupo estaria atuando de maneira criminosa desde 2003 e só foi denunciado por dois casos, um em 2003 e outro em 2007, em um período em que realizou algumas centenas de cirurgias de transplante de fígado?
- O que levou o inquérito a se estender por tanto tempo, com um fato novo apenas quatro anos após o primeiro?
- Por que o Dr. Joaquim foi preso somente cinco anos após instaurado o inquérito?
- Por que o Dr. Joaquim nunca foi ouvido na investigação?
- E qual foi o fato novo que levou a prisão preventiva de um réu primário?
- Desde quando a opinião pessoal de um desafeto, colhida em interceptação telefônica, é motivo para decretação de prisão preventiva, como consta da decisão que decretou a prisão?
- O que justifica um comboio de policiais federais em vários carros, com metralhadoras e armas em punho, acompanhada da imprensa previamente avisada, para cumprir mandado de prisão contra um réu primário e de bons antecedentes, e que obviamente não representava risco?
- Quantos transplantes foram feitos pelo Dr. Joaquim e sua equipe nos últimos cinco anos, quantos na rede pública e quantos particulares?
- Quanto eles recebem por cada transplante na rede pública e por que se dedicam a fazê-los se são "criminosos" em busca de dinheiro?
- Quantas vezes ele e sua equipe recorreram a orgãos rejeitados? E quantas vezes para clientes da rede pública e de sua prática privada?
- Qual o histórico profissional do Dr. Joaquim Ribeiro? Qual a opinião de colegas e pacientes sobre ele?
- Qual o fundamento da acusação de que o grupo ganharia R$ 250.000 de "propina" por órgão?
- Quanto custa uma cirurgia de transplante de fígado na rede privada, entre honorários e custo hospitalar? E quanto de fato foi pago à equipe médica?
- Quanto esses honorários diferem de cirugias similares por outras equipes, em outras cidades?
- Qual a opinião de médicos da área, em outros centros, por exemplo, sobre o procedimento de uso de órgãos descartados?
- Quais os pareceres técnicos incorporados nos autos?
- O que disse o CRM até hoje sobre as acusações?
- A quem no Rio de Janeiro interessa as acusações contra o Dr. Joaquim e sua equipe?
- A quem interessa o enfraquecimento do já combalido Hospital Universitário Clementino Fraga?
- A quem interessa desacreditar e silenciar o Dr. Joaquim e sua equipe?
- Qual o estado da fila de transplantes de fígado no estado do Rio?
Sou parcial. Joaquim Ribeiro Filho é meu cunhado. Revolta-me o que ele está passando e que isso possa acontecer. Conheço sua vocação pública, sua abnegação profissional, seu altruísmo e senso ético. Admiro ele e sua família exatamente pela dignidade, humanidade, senso público e solidariedade com quem sempre viveram. Meu respeito por ele e por seu pai é tal que dei ao meu filho de oito anos o nome do seu tio e de seu avô, e o convidei para ser padrinho do meu filho. Sempre disse para meu filho que o nome dele é uma homenagem a duas pessoas especiais em seu exemplo de vida e dignidade, e que ele deveria sentir-se honrado com a homenagem e ter neles sempre uma referência.
Minha parcialidade é esperada. Trata-se de alguém próximo, a quem respeito, admiro e por quem tenho um grande afeto. O que não me impede de ser minimamente factual e objetivo em minha análise. O que não entendo é como a imprensa pode ser ainda superficial e leviana em situações desse tipo, limitando-se a ouvir algumas poucas opiniões de contra-ponto, sem maior profundidade investigativa e sem questionar mais uma iniciativa midiática da PF. Culpados ou inocentes, deveríamos ser apenas após o devido processo legal. Mais uma vez, esse não está sendo o caso, infelizmente.
O processo seguirá seu curso e tenho convicção de que Joaquim Ribeiro e seus colegas serão inocentados. Disso se encarregará a Justiça, ao analisar os autos e a fundamentação - ou falta de - da denúncia. Porém, é revoltante constatar que os que o acusam e querem desacreditar, poderão ser exitosos na sua obstinação de anos em destruir a imagem de uma pessoa que construiu uma carreira admirável, dedicada primordialmente ao serviço e ensino públicos de uma medicina de ponta e ao seu compromisso de salvar vidas.
A nós, que admiramos Joaquim Ribeiro e seus colegas, que conhecemos sua integridade e compromisso com a medicina e com a excelência profissional, cabe não deixar que a calúnia e a difamação se misturem a uma denúncia já em si leviana e sem fundamentos. A nós, cabe levantar a história destes profissionais, afirmar nossa absoluta certeza de que são homens de bem, e não deixar que vençam os que de fato querem desacreditá-los - muito mais por seus méritos que por eventuais erros - e crimes, nenhum.
A melhor forma de fazermos isso é exigindo da mídia uma cobertura isenta, profunda, investigativa, cumprindo seu papel e sua obrigação.
Obrigado aos que não se resignaram frente à leviandade e injustiça das acusações feitas contra Joaquim Ribeiro e sua equipe, e estão buscando fazer ouvir seus testemunhos, seu apoio e seu respeito por esses profissionais. Quero acreditar que não estaremos ajudando só a eles, mas - de algum modo indireto - ao nosso triste país.
Marcelo Villar
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