segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Dr. Joaquim é um dos personagens da série "Os Brasileiros" nos 80 anos de O Globo.

OS BRASILEIROS
O Globo. Domingo 27 Agosto 2006

A vocação que resiste ao salário baixo para tanto estudo

OS BRASILEIROS

Mesmo ganhando R$2 mil mensais, o cirurgião Joaquim Ribeiro não desiste de sua profissão

O PMDB e o PPS ofereceram a legenda para o cirurgião Joaquim Ribeiro Filho se candidatar este ano. Mas ainda não foi desta vez que o coordenador do Programa de Transplante de Fígado do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, quis se aventurar na política. Para ser deputado, ele não precisaria ter estudado tanto nem feito faculdade de medicina seguida de doutorado em Paris. Certamente ganharia mais do que o atual salário de médico do Ministério da Saúde - R$2 mil, equivalentes a cerca de US$900.

Fui cantado várias vezes para me candidatar, mas não fiquei animado. É incompatível com a atividade cirúrgica.

A dedicação à medicina não é, porém, recompensada financeiramente. No Hospital Miguel Couto, em início de carreira, ele chegou a ganhar o equivalente a US$3.000 (cerca de R$6.500). Mas nos governos Collor, Itamar e Fernando Henrique o salário foi perdendo valor. Minguou para cerca de US$300 (R$660).

Reconhecido no Brasil e, mais ainda, na Europa, o médico que implantou o programa de transplante de fígado no Rio vê a desvalorização e o desaparelhamento do serviço público como um dos maiores problemas do país. Não falta só salário para quem quer trabalhar em saúde. Isso ele resolve com aulas na UFRJ e cirurgias particulares.

O problema maior é o abandono, a falta de infra-estrutura - avalia.


O hospital do Fundão não tem a metade das janelas. Com boa parte das instalações desocupada, inúmeras janelas de alumínio e vidro foram roubadas. De fora, parece um prédio semi-abandonado. Além de sucateado e com apenas 20% dos leitos que precisa para atender à demanda por cirurgias complexas como transplantes, neurocirurgias e cirurgias cardiovasculares, a unidade patina em dívidas. Sem orçamento próprio, tem que faturar contra o SUS, no teto de até R$40 milhões por ano. O valor é um terço do orçamento de hospitais federais como o de Bonsucesso e o dos Servidores, em torno de R$120 milhões.

Aqui chegam os casos mais difíceis e raros, de pessoas sem recursos e que não têm onde operar. Tem gente que vem de ônibus de outros estados, até do interior da Bahia, para operar tumor no fígado, e fica dias na enfermaria, esperando uma vaga no CTI - relata Joaquim.

Apesar dos pesares, sem reclamações na vida


Ainda assim, o médico paraibano diz não ter muito o que reclamar da vida. Família grande e unida, ele e os nove irmãos, filhos de um procurador da República, nunca passaram necessidade. Joaquim chegou pequeno ao Rio, foi morar em Botafogo e estudou num dos colégios mais tradicionais da cidade, o Santo Inácio.

Teve e tem uma vida muito diferente da maioria dos seus conterrâneos de Brejo da Cruz - a cidade onde, como diz a música de Chico Buarque, as crianças comiam luz. Mas a dura realidade da terra natal sempre o inspirou.

Levava meus filhos, desde pequenos, para aprender o que é sobreviver, a valorizar a água e a vida - afirma.


Aluno da primeira turma de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no Fundão, em 1973, ele também viveu as agruras da repressão e lutou contra ela.

Tenho amigos desaparecidos até hoje.

Engajado, em plena ditadura ele participou do movimento estudantil. Hoje, a diferença é que a violência está disseminada pelas ruas. Este ano, 15 dias antes do carnaval, ele foi chamado às pressas pela filha de 19 anos no Hospital Souza Aguiar. Ela acompanhava o primo da mesma idade que tinha sido esfaqueado no fígado por um folião embriagado durante o ensaio do bloco Suvaco do Cristo. Quando o médico chegou, o rapaz já estava sem batimento cardíaco.

Fiquei chocado com a violência do sujeito, que esfaqueou cinco pessoas. Minha filha não foi atingida - recorda ele, para quem a banalização da violência é uma grande preocupação. - Na França, os crimes com arma são duramente punidos e não há progressão de pena. Por isso, quase não são cometidos crimes à mão armada.

Para ele, só a educação, a distribuição de renda e a criação de oportunidades vão levar à redução da violência:

Não nasci no Rio, mas vivo aqui e minha família também. Queria que o governo investisse mais em segurança.

Freqüentador de São Januário

O turismo é outra área que, na opinião dele, merece mais atenção dos dirigentes.

A cidade tem um potencial fantástico e inúmeras opções de lazer.

Uma das que ele mais gosta é a feira de tradições nordestinas, em São Cristóvão.

Gosto tanto que todo ano, no meu aniversário, organizo um forró animado pelo Zé da Onça (um sanfoneiro que se apresenta na feira) - conta o vascaíno, freqüentador do estádio de São Januário.


O Rio tem um potencial inigualável. Só falta cuidar melhor da cidade - diz.

Legenda da foto: JOAQUIM: "QUERIA que o governo investisse mais em segurança"
Produto: O Globo /Data de Publicação: Domingo 27 Agosto 2006/Página: 19/Edição: 1
Editoria: O País/Caderno: Primeiro Caderno/Crédito: Mariza Louven

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