segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Os crimes do sensacionalismo - Luís Nassif (06/04/2001)

"Foi uma tragédia familiar. O filho sofre um acidente e é internado no Hospital Pedro Sanchez de Poços de Caldas. Lá, constata-se morte cerebral. É transferido para a Santa Casa, e os pais autorizam a doação de órgãos para transplante. É feito.

Terminado o processo, o Hospital Pedro Sanchez encaminha a conta para a família. Seis meses depois o pai do menino, ainda traumatizado pela perda, começa um campanha contra os médicos que receberam os órgãos para transplante - e que eram da Santa Casa local, nada tendo a ver com o Pedro Sanchez. Não se deu conta de que a doação foi feita para a Santa Casa, a cobrança pelo Hospital Pedro Sanchez.

Amplie-se essa confusão de pai sofrido em um programa de larga audiência - o "Fantástico" - e não há quem repare o mal feito. Um falso escândalo está colocando em risco todo um grupo de transplantes que transformou a vida de todo doente renal da região.

A ampla e necessária burocratização dos sistemas de doação, por vezes acaba atropelada pela urgência do dia-a-dia. Mas o grupo começou a praticar transplante no início dos anos 90, e sempre se esmerou em trabalhar dentro do maior rigor ético - feito reconhecido pelas suscessíveis fiscalizações ocorridas. Mais: dos 174 transplante feito até agora, 169 foram pelo SUS. É o único centro transplantador do sul de Minas, o segundo do estado.

Na cidade, o grupo é conhecido pela dedicação. Não raras vezes médicos da equipe levam doentes, rins, exames de sangue até Campinas, às suas próprias custas.

O dr. Álvaro Ianhez - acusado nessa história - foi vítima do mesmo sensacionalismo que quase liquidou com outro grupo pioneiro e dedicado - os médicos paranaenses especializados em transplante de medula, liderados pelo extraordinário dr. Pasquini. Os transplantes eram feitos pelo SUS. Mas havia necessidade de localizar doadores em bancos de dados de doadores. Uma falsa denúncia de cobrança por fora, a vontade da repórter de buscar sensacionalismo, entrevistas editadas para reforçar a tese, uma entrevista com uma autoridade falando sob hipótese e - pronto! - reputações jogadas na lama, processos de transplante interrompidos, doentes correndo risco até se esclarecer a situação.

Esse mesmo quadro se repete agora, tendo como autores as mesmas pessoas, o mesmo programa de televisão e os mesmos métodos. Nesse jogo baixo pela audiência pouco importa se inocentes são sacrificados, se doentes são prejudicados, e se a verdade é imolada no altar do IBOPE.

Está na hora de se ter um mínimo de consciência nessa busca obsessiva pela audiência."

(Uma das matérias selecionadas como "Casos médicos" por Luís Nassif em seu livro "O jornalismo dos anos 90. editora Futura 2003pp. 152-153

Ver: Ainda sobre crimes de sensacionalismo (Luís Nassif)

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