segunda-feira, 25 de agosto de 2008

E se for "marginal"?

“A opinião das outras pessoas vai se escorrendo delas sorrateira e se mescla aos tantos, mesmo sem a gente saber, com a maneira da idéia da gente!” (Grande Sertão: Veredas. Guimarães Rosa)


É importante ressaltar que o transplante com “doador marginal” ocorre no país em decorrência da demanda crescente de pacientes que aguardam na fila e por outro lado do número reduzido de doações. Por isso, cada doação há de ser aproveitada sempre que o órgão tenha alguma chance, ainda que pequena de não ser 100% ideal.

Estudo publicado em Campinas(*), com objetivo de avaliar os resultados de transplante provenientes de fígados considerados de doadores “marginais” comparado com fígados de doadores “ideais”, mostrou resultado positivo neste tipo de transplante. Este estudo acompanhou 30 pacientes transplantados com doadores considerados "marginais" e 183 pacientes que receberam órgão de doadores “ideais”, durante 18 meses.

Os doadores marginais foram considerados aqueles portadores de uma ou mais das seguintes condiçöes: história de alcoolismo, provas de funçäo hepática alteradas, intoxicaçäo por superdose de paracetamol, doença cardiovascular avançada, infecçäo, período longo de hipotensäo, altas doses de substâncias inotrópicas, doença de von Willebrand, esteatose hepática, idade maior do que 50 anos e obesidade.

Os dois grupos diferiram apenas quanto aos níveis de AST no primeiro e dentro dos primeiros cinco dias de pós-operatórios imediato, sendo significativamente maiores no grupo A, em relação ao grupo B. Estes dados mostram que os transplantes realizados com fígados de doadores "marginais" foram semelhantes àqueles realizados com fígados de doadores ideais, entre outros achados, o tempo de sobrevida em um ano após o transplante.

Isto quer dizer que há bons resultados nos transplantes marginais, pois se fosse diferente, não se justificaria a sua realização, cirurgia complexa e de alto custo para o SUS.

O princípio de fígado marginal é a probabilidade de que ele não esteja 100 % (ótimo) para aquele paciente que se encontra no primeiro lugar da fila, já que terá maior probabilidade de se beneficiar com um órgão em condições ideais rapidamente. Portanto, há possibilidade de que o fígado esteja em condições apropriadas, se analisadas pela patologia, mas o transplante não pode esperar pelos resultados microscópicos.

A decisão das centrais de transplantes e dos médicos tem que ser tomada em poucas horas, sob pena de perda do órgão – o que se tornou rotina no Rio de Janeiro desde 2007.


Em 2005, a taxa de mortalidade por causas externas (violentas) no município no Rio de Janeiro foi de 91,78 óbitos por 100.000 habitantes, inferior apenas a Rio Branco, Recife e Vitória, Morre-se no Rio de Janeiro, em média de 5600 pessoas decorrentes de causas externas por ano na cidade do Rio de Janeiro.

Segundo dados do Sistema Nacional de transplante, em julho/2008 (pode ser que, agora, o número tenha mudado) havia na fila de transplante 1140 pacientes aguardando doação de fígado no Rio de Janeiro. Enquanto apenas 76 transplantes de fígado foram realizados em 2007 na cidade.

Porque a fila de transplante não anda? Com tantas mortes violentas e acidentes esperaríamos que não tivéssemos filas. Poderíamos inclusive ser doadores de órgãos para outros estados.

A falta de estrutura da Central de Transplante do Rio de Janeiro é imensa, o que torna vulnerável os profissionais e os pacientes que aguardam a cirurgia.

É necessário incentivar profissionais qualificados e dedicados aos princípios ético da medicina. Porque acusar profissional que segue o juramento de hipócrates " aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém", enquanto o problema está na ineficiência administrativa da Coordenação do Rio Transplante, que prefere desprezar o órgão captado, com tanto esforço, após doação pela família, mobilização do profissional para captação, acarretando entre outros, desperdício de recursos públicos.

Após a captação, a Coordenação do Rio Transplante não vem autorizando o transplante: Pode ser marginal? Teve três paradas cardíacas? Pode ter outro paciente com o mesmo tipo sangüíneo? Pode ter outro paciente com o mesmo peso? E se for usuário de drogas? E se tiver HIV/ Hepatite? E se tiver tatuagem? E se não tiver exames atualizados? E se estiver na janela imunológica? E se for pobre? E se for rico? E se for do HUCFF? E se for HGB? São tantas perguntas que a coordenação prefere desprezar o órgão a autorizar salvar uma vida?

Gostaríamos de agradecer a todas as famílias que ao perderem um ente querido têm um ato de generosidade doando seus órgãos a outras pessoas que esperam na fila da morte.

Em especial, gostaríamos de agradecer aos doadores e aos médicos, em especial ao Dr. Joaquim e sua equipe, que lutam pela sobrevivência dos pacientes que têm poucas chances de serem salvos. Esperamos que a paciente n.º 253, pobre, lavadeira da Baixada Fluminense, que teve um sonho jogado no lixo no dia 31/12/2007, pela coordenação do Rio Transplante, ainda tenha alguma esperança.

Lutamos por ela e tantos outros que esperam na fila da burocracia da morte, que, agora sabemos, nem atualizada estava. Trágico verificar que ela não conseguiu o fígado, pois, seus exames, mesmo em dia no HUCFF, não estavam atualizados na Central. Será que ela é mesmo a nº 253 ou será que não é a n.º 24, 86 ou quem sabe a nº 1. E quem é a responsável pela desesperança da paciente n.º 253?

Onde estava o Ministério Público Federal, que não investigou a não realização do transplante no dia 31/12/07, amplamente noticiado pelo Jornal Nacional? Alguém se lembra dela? Foi desprezada nesta história toda porque era pobre? Não tinha sobrenome que interessasse a investigação?

Ver: Governo diz que fígado não servia para transplante (Sidney Rezende - Rádio CBN 1.1.2008). Denúncia do Dr. Joaquim na frente do subsecretário jurídico e de corregedoria da Secretaria de Saúde e Defesa Civil, Pedro Henrique de Masi Pinheiro, escolhido pelo governo para falar sobre o assunto:
Nós estamos acompanhando a paciente desde o início. Ela não deveria estar na posição 253. Provavelmente, ela estaria na posição 20, 25. Isso porque eles não estão atualizando os exames. Esse sistema de gravidade é dinâmico. Independente disso, nós, como médicos, temos o dever de colocarmos um órgão em um paciente que seja compatível?, protestou Ribeiro.


(*) Silva, Renato Ferreira da. Título: O uso do doador "marginal" no transplante de fígado: Resultados em trinta pacientes.Campinas; s.n; jul. 1995. 113 p.
Tese: Apresentada a Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Ciências Médicas para obtenção do grau de Doutor.

Veja, ainda: Sobre a Câmara Técnica (I)

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