Um acidente de helicóptero no Estado do Espírito Santo vitimou há pouco tempo duas equipes médicas que retornavam de uma atividade de captação de órgãos para implantes. Recordar este fato é apenas uma forma de mostrar a angústia que envolve a espera por um órgão. Sim. Porque esse sentimento não é só do paciente que aguarda na fila. É também vivido pelos seus familiares e pelos médicos que acompanham o problema. As dificuldades que envolvem um transplantes são compreensíveis somente por aqueles que vivenciam a falta de soluções para qualificar um sistema há muito ultrapassado.
Quando recebemos a informação de que existe um órgão para captação, desencadeia-se uma operação de guerra: mobilizar as equipes, chamar os primeiros da fila realizar a aproximação da compatibilidade e garantir a reserva de sangue e vaga nos leitos de terapia intensiva para o pós operatório.
Na fila, os que aguardam um rim estão em terapia renal substitutiva (hemodiálise) e a realização do procedimento em si exige equipamentos e insumos caros: cujos valores continuam elevados no pós-operatório tanto imediato quanto tardio, por conta do uso de imunossupressores e de seu controle.
Durante uma captação, entram em ação duas equipes: uma que capta e outra que prepara e inicia o procedimento no receptor. Em contrapartida, hoje, a legislação que rege a formação de novos quadros é restritiva, uma vez que só permite participar de transplantes quem estiver habilitado pela Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos. Ora, como formar e treinar alguém sem permitir que essas pessoas participem do processo previamente?
Outro aspecto que necessita tratamento diferenciado é a remuneração dos profissionais envolvidos, sobretudo porque professores não podem receber horas extras ou dar plantões e, por lei, o funcionário público não pode receber adicionais pecuniários pelo procedimento. Por outro lado, não podem ficar exclusivamente à espera de doadores, já que desempenham outras atividades ligadas ao programa ou nos seus respectivos departamentos.
O chamado fígado marginal, que não se encontra em excelentes condições para implante, é outra variável dessa questão. Por oferecer risco extra de rejeição ou insucesso, durante um certo tempo este órgão foi descartado para implante, até que nos Estados Unidos começou a ser proposto condicionar seu uso à aceitação do paciente, principalmente entre portadores de câncer de fígado que não estavam entre os primeiros da fila. Os critérios dessa prática, que pode salvar muitas vidas, já estão estabelecidos e devem se tornar públicos para todos que precisam de um órgão.
Por todas essas variáveis, é preciso rediscutir soluções para qualificar o atendimento realizado pelo sistema de captação como um todo. Não basta a mobilização de uma ou outra instituição. Estamos organizando um debate ao Cremerj reunindo todos hospitais que realizam o procedimento, Ministério Público, Defensoria da União, Coordenação Estadual de Transplante, Academia Nacional de Medicina, além de ONGs ligadas ao assunto. Credibilidade se conquista com ações eficazes ao longo do tempo. Chegou a hora de tocarmos na ferida e adotarmos um modelo eficaz que acabe com a angústia dos que dependem de uma fila para sobreviver.
Alexandre Pinto Cardoso é diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
A fila para sobrevivência - Alexandre Pinto Cardoso (O Globo, 25/08/2008)
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