quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Cartas da Mãe (ao ministro José Gomes Temporão)

Excelentíssimo Ministro da Saúde José Gomes Temporão,

Passei duas etapas na minha vida: sofri, com 42 anos, na ditadura militar, com a prisão de minha primeira filha, e, agora, com 79 anos, luto, nesse governo que se dizia democrático, contra a prisão arbitrária e a tentativa de destruição da honra de meu filho, o médico Joaquim Ribeiro Filho, pela mídia com informações da Polícia Federal.

Joaquim sempre foi um idealista, especializou-se na França, sendo pioneiro nos transplantes de fígado do Rio de Janeiro. Fez da medicina um verdadeiro sacerdócio, dormindo no chão do Hospital Clementino Fraga, em cirurgias demoradas, sem pensar nele próprio ou na família. Sempre defendendo a saúde pública no Rio de Janeiro.

Muitas vezes pedi para ele abandonar os transplantes e trabalhar apenas na rede privada, mas respeito seus ideais de continuar lutando pela melhoria do sistema de transplantes no Brasil. Quando ele aceitou ser coordenador do Rio Transplante, pretendia melhorar a situação dos transplantes no Estado, o que ele conseguiu, pois naquele período aumentou a captação de órgãos no RJ. Ele não queria benefícios pessoais, só desejava aumentar o número de cirurgias.

Hoje, eu vejo a divulgação de que o sistema de transplantes do RJ está caótico e a imprensa atribui essa responsabilidade ao meu filho Joaquim. Quando essa responsabilidade, o Senhor bem sabe, é do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde do RJ.

Sei da honestidade de meu filho e das suas condições financeiras, compatíveis com seus rendimentos. Ele possui, apenas, um imóvel, onde reside, não sendo proprietário de mansões, nem de casas de campo. Essa é a realidade de todos os médicos que se dedicam à saúde pública no Brasil. Digo isso porque, além do Joaquim, tenho mais dois filhos médicos, uma delas, médica sanitarista da Secretaria de Saúde de São Paulo, trabalha muito, mas a remuneração é pequena.

Enquanto meu filho foi fortemente punido porque salvou uma vida, acompanhei na TV, sem que nada acontecesse, a coordenadora do Rio Transplante, Ellen Barroso, mandar jogar um fígado no lixo [1.1.2008]. O único responsabilizado, naquele episódio, foi um médico da equipe do meu filho, que abriu mão das festas de passagem de ano com sua família, para tentar salvar a vida de uma pessoa pobre moradora da periferia do Rio de Janeiro. Outra vez, ela não autorizou o transplante de fígado no Fundão, porque faltava um documento. Quando esse documento chegou, o órgão já estava perdido.

No mês passado, o Programa Fantástico da Rede Globo, noticiou a morte de um paciente causada por um “erro” da coordenadora do Rio Transplante, que havia enviado a pessoa errada para uma cirurgia de transplante de rim. O tratamento desigual da imprensa ficou evidente. Enquanto contra meu filho faziam questão de deturpar a acusação, além de mostrar suas fotos, naquela reportagem não se mencionou nomes, nem detalhes do fato.

Agora pergunto: de quem é a responsabilidade por todo esse transtorno? Será que vão atribuir ao meu filho? Até o momento não o vi demonstrar forças para enfrentar as barreiras impostas pelo Governador Sérgio Cabral e seu Secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, para melhorar a saúde pública no Estado do Rio de Janeiro. Tristemente, vejo todos os dias essas autoridades se colocando na mídia para atacarem médicos e persegui-los. É lamentável que a saúde pública no RJ seja tratada pelos governantes como caso de polícia e não como política pública responsável.

O que o Senhor Ministro da Saúde fez além de se omitir? Agora adota medidas para melhorar o sistema de transplante no Brasil, iguais às que o meu filho sempre sugeriu e adotou, na medida do possível, enquanto era coordenador do Rio Transplantes.

A sorte do Joaquim é ter dois irmãos e amigos da família advogados que o defendem gratuitamente e ajudam na defesa de outros médicos sem nada receberem.

Como faço desde 1970, continuarei trabalhando pela democracia e, agora, pela realização da justiça e pela reparação do dano sofrido pelo meu filho Joaquim, também ex-militante do PT, e por outros médicos, pois como cristã não vejo apenas o meu sofrimento, mas os de outras mães que estão sofrendo com tantas perseguições.

Acreditei que nesse governo, que tanto defendi desde a primeira candidatura do Presidente Lula, não aconteceriam tantas arbitrariedades. Decepcionada, já me desfiliei do Partido.



Lucia Maria de Freitas Ribeiro

(mãe do Dr. Joaquim Ribeiro Filho)

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