Faces e Interfaces
20.04.2006
Salvando vidas
Por Mariana Granja
Milhões de pessoas no mundo precisam de órgãos doados para viver, e aguardam com esperança em listas de espera durante anos os novos corações, pulmões e rins, entre outros, que mudarão suas vidas para sempre. Fazem testes periódicos de compatibilidade sanguínea para estarem prontos quando um raro doador aparece e temem que a morte chegue antes da doação. E mesmo com tantos problemas ainda têm que torcer para que a “burocracia” existente no processo de doação e recepção de órgãos não atrapalhe quando surge a oportunidade de se fazer a cirurgia, pois cada minuto perdido pode significar a piora da doença ou até a inutilização de um órgão doado.
Casos como o do menino Arthur, de cinco meses, amplamente divulgado pela mídia, que nasceu com hipoplasia das cavidades esquerdas, agravada por um canal com aorta filiforme (1,5 mm) e válvula tricúspide com vazamento. Após muito esforço dos pais, do hospital e do Ministério da Saúde, que lançou campanha de incentivo a doação de órgãos, o menino morreu, apesar de se ter conseguido a doação de três corações compatíveis. O que atrapalhou nesse caso, segundo o pai, foi à “burocracia”.
O processo de notificação e captação de órgãos ainda é muito lento. No caso de Arthur os trâmites tiveram uma duração de 72 horas quando, com a redução da “burocracia” e disponibilização de equipamentos, poderia ter levado 24 horas. Para tentar entender esse processo, o Olhar Vital buscou a opinião de dois especialistas em transplantes.
Professor Joaquim Ribeiro Filho
Professor da UFRJ e Coordenador do Rio Transplante
“Não sei se você sabe, mas existem dois tipos de doação, a de inter-vivos, quando um parente doa um órgão para o outro, e a feita por doador cadáver, quando ocorre a morte cerebral. O procedimento a ser feito para ocorrer a doação e recepção de órgãos começa com o hospital, que tem obrigatoriedade de notificar a uma central de transplantes, que é subordinada ao sistema nacional de transplantes, a existência de um paciente em morte cerebral. Após isso, é feito um protocolo, e nele constam dois exames clínicos feitos por neurocirurgiões para que seja comprovada a ausência de reflexos no paciente. Ainda é feito depois um exame comprobatório, que pode ser uma ultra-sonografia ou um eletro-encefalograma, que ratificará a ocorrência de morte cerebral.
Após a comprovação do ocorrido, a família é contactada para decidir se deseja ou não doar o órgão, ou os órgãos, de seu parente. Caso deseje doar, o paciente receptor, que está na lista de espera, será chamado, tendo passado por uma seleção que inclui, além de ordem de espera por tempo, compatibilidade sanguínea, e, em alguns casos, peso e altura também. Não costuma haver demora no processo de doação, os procedimentos feitos são apenas uma questão de segurança extremamente necessária.
É preciso ter certeza que o paciente está em morte cerebral, para que depois não surjam acusações de que o paciente não havia morrido. É preciso diferenciar, há casos parecidos com o da morte cerebral, como o do coma profundo, ou coma induzido, e não podemos cometer nenhum erro. Para se ter uma idéia, com esses procedimentos, nunca houve um erro desse tipo no mundo inteiro.
Por isso, o que a mídia chama de burocracia não é nada mais do que os protocolos feitos de acordo com a lei para proteger a segurança de todos”.
Professor Renato Torres
Coordenador de Transplante Renal do HUCFF
“As pessoas que precisam fazer transplante de rim estão em hemodiálise, e têm possibilidade de conseguir um doador de dois modos, que são as mesmas maneiras para outros transplantes também: o primeiro modo é vindo de um doador vivo, que normalmente é um parente, um irmão, irmã, ou às vezes esposa. A outra forma é quando vêm de uma pessoa desconhecida, de algum paciente que teve morte cerebral. Nesse caso, chamamos de doador-cadáver.
O transplante feito com órgãos de parentes é muito mais rápido, demora em torno de três meses ou quatro, podendo variar um pouco, isso incluídos todos os exames que têm que ser feitos e mais o transplante. É rápido porque a pessoa não precisa entrar na fila, é só ver se o doador e receptor são compatíveis e se o doador está em boas condições de saúde, e então encaminhar para o transplante. Já se a pessoa não tiver um doador, então a demora é realmente grande, pois a pessoa precisa entrar numa lista de espera para receber o órgão de um doador cadáver. Essa lista é muito grande e está demorando em média, para a doação de rins, de seis a sete anos. Nesse tempo o paciente fica em hemodiálise esperando seu doador.
A lista é feita da seguinte forma: dividimos as pessoas por grupos sanguíneos (A, B, 0 e AB0), e quando aparece um possível doador, que tem que estar na CTI, vêem qual o grupo sanguíneo e procuram o primeiro da lista. É a família que decide se o paciente vai doar. Quem organiza a doação e recepção é uma central estadual de captação, o Rio Transplante, que fica responsável pelos hospitais avisarem de um doador para que assim possa haver a realização de exames de receptores e preparação. Eles avisam, fazem a comprovação de morte, fazem os testes sorológicos, como HIV e hepatite, por exemplo, e só após isso é feita a doação. Esses testes são necessários, ainda que haja demora às vezes.
O tempo necessário para escolher o paciente receptor é de 24horas, pois por mais que ele esteja na lista é preciso que se façam testes recentes de como a pessoa está, e os órgãos doados podem ser utilizados após, em média, 48horas depois da doação. Após esse tempo alguns órgãos podem não resistir, por isso o cuidado com o tempo deve estar presente”.
(jornal eletrônico Olhar Virtual da UFRJ)
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