quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Mônica Gouveia ( da Califórnia/EUA)

Dr. Joaquim,
Desculpe-me a ousadia de te mandar esse e-mail. Estou morando na California e soube, essa semana, que o Sr. esta passando por um momento delicado.
Provavelmente, você não se lembra de mim, mas eu nunca vou esquecer o que você e sua equipe fizeram por mim e por minha família. Esse texto que segue abaixo eu escrevi na semana passada e está em mãos de colegas jornalistas de Salvador e de uma professora da minha faculdade. Já deve estar circulando na Internet, mas eu queria muito que chegasse ao Sr. por mim.
Desejo o melhor para vocês e que tudo seja esclarecido logo,
Mônica Gouveia

Na semana 11 de julho de 2002, Rafael Gouveia, meu pai, era o décimo segundo paciente do Hospital Clementino Fraga Filho( HUCFF) a receber o transplante de fígado pelas mãos da equipe coordenada pelo Dr. Joaquim Ribeiro Filho.

A cirurgia demorou 16 horas, e nesse meio tempo vi um batalhão de médicos entrar e sair da sala de cirurgia como guerreiros em meio de uma batalha pela vida. Era um caso difícil, "o moleque tava dando trabalho", dizia Ribeiro e seus colegas.

Meu pai saiu daquela sala com chances de sobreviver que não passavam de 1%, segundo os cirurgiões que estavam se dividindo em turnos. Eu e a minha vigilante mãe não deixávamos escapar nenhum. Queríamos o máximo de detalhes possíveis enquanto nosso "Rafinha" estava longe do nosso alcance. Mas ninguém ali deixou as armas caírem ao piso.

Quase cinco horas depois da cirurgia, ele começou a ficar azul. Todo o sangue que entrava, estava saindo pelos drenos, seu coração ia em disparada e, finalmente quando já parecia que ele explodiria a qualquer segundo, voltaram com ele para sala de operações em mais uma tentativa heróica de trazer aquele senhor franzino para a sua família.

Foram 50 dias de altos e baixos, poucas esperanças por parte de alguns, e o próprio Joaquim Ribeiro tentava posicionar-se de maneira "parcial" ao dizer que não tivéssemos esperanças, que o caso dele era crítico. Esperanças estas que eram impossíveis de não ter quando eu olhava para aquele médico grandão e grisalho, com jeitão de brabo, porque estava em seus olhos, que esse paciente ele não ia perder.

Meu pai queria fazer a cirurgia na clínica São Vicente, pois acreditava que assim nosso sofrimento seria menor, se pudéssemos estar mais confortáveis. Ele sabia que seriam dias difíceis. Foi o Dr. Joaquim Ribeiro a dizer que não. Certamente era mais confortável, sem contar com o fato que o SUS - Sistema Único de Saúde-, não cobriria os gastos que iam correr por conta do plano.

O experiente médico alertou que o melhor seria "executar o plano de guerra" no Fundão, pois lá contaria com uma equipe mais completa e melhor tecnologia.

Sem nenhum privilégio, Rafael esperou na fila, pacientemente, o tempo que lhe tocava aguardar, e teve acesso a toda a estrutura e os benefícios que conta qualquer cidadão brasileiro através do SUS, incluindo boletos aéreos.

Quando saí de Salvador com o coração na mão e a alma aos pulos, para encontrar minha mãe no Rio de Janeiro, e acompanhá-la nessa jornada, ouvi a vice-diretora da minha Faculdade dizer: "vá e só volte com seu pai embaixo do braço". E foi exatamente o que eu fiz. E isso eu devo ao Dr. Ribeiro e a toda sua equipe de médicos-heróis presentes naquele 11 de julho.

Pouco mais de um ano e meio depois da cirurgia, meu pai foi internado com outras implicações em seu quadro de saúde. Em meio de uma crise séria de pancolite, que causou uma hemorragia quase fatal na UTI do Hospital Aliança, na Bahia, o médico responsável por seu caso decidiu que já não havia nada a fazer, pois, de acordo com ele, o hospital não tinha sangue para ser jogado fora, porque tudo o que entrava, meu pai estava perdendo pela hemorragia.

Foi então que ligamos para o Dr. Joaquim Ribeiro, numa tentativa desesperada de salvar nosso Rafael. Ele, que já não era o seu médico, reagiu com força e vigilância quando se tratou de dar um pouco de conforto aos últimos dias de meu pai. Disse em tom de guerra que minha mãe brigasse pelo direito de usar uma medicação que podia estancar o sangramento e não matá-lo em algumas horas, num sofrimento incalculável.

Mesmo contrariado, o médico responsável aplicou a medicação, e não foi milagre mais uma vez. Funcionou. Ribeiro, mesmo à distância, nos brindou com a chance de nos despedirmos do Rafinha. Ainda lembro, com o peito apertado, dele sacando o último suspiro de força que lhe sobrava, para soltar um beijo para um dos médicos que acompanhou o processo dele por anos. Essa lembrança eu também devo a esse ser humano brilhante, Dr. Joaquim Ribeiro Filho.

Dr. Joaquim e seus colegas apelidaram meu pai de "Highlander", guerreiro famoso dos filmes que voltava da morte. Mas, dessa vez, ele não contava com nenhuma força sobrenatural. Contou com a honestidade e competência de um sistema que sim, funciona, quando os responsáveis o fazem funcionar.

Estou indignada com toda essa loucura de processo que envolve o nome e a integridade de Dr. Joaquim. Se ele tem alguma responsabilidade em toda essa lama que estão atirando no ventilador, que então as investigações apontem! Que ele tenha o direito de mostrar a sua versão sem a interferência das "verdades absolutas" já disseminadas, como veneno, nas cabeças das pessoas.

Venho aqui, mais que um desabafo ou forma de apoio a ele, implorar por um basta! Chega disso, meu povo! Que a mídia busque fontes, argumentos, e a posição de quem já esteve lá, de quem conhece.

Por que num pais fantástico, cheio de vida e com gente que ainda acredita no Brasil a gente não consegue mostrar a nossa forca? E assim como esses homens fizeram para salvar a vida do meu pai, não tomamos, mesmo que na marra, a frente da justiça?
Não se deixem levar pela parcialidade enganosa de uma mídia que busca audiência, não.

Leiam mais, se informem, e acima de tudo, acreditem! Não coloquem a corda no pescoço de alguém que sempre acreditou no Brasil, que lutou e luta por condições justas no trato do nosso bem mais precioso, que é a nossa vida.

Ao Dr. Joaquim, quero dizer um sonoro muito obrigado mais uma vez, e que de onde estiver, de alguma forma, mesmo que numa carta, o meu grito de viva a você, viva a coragem de lutar contra a mediocridade de quem o está atacando em nome de uma política suja, que já deveria estar sendo combatida, há muito tempo.

Monica Gouveia, estudante de jornalismo, filha e testemunha real de que heróis existem.

Nenhum comentário: