segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Fernanda Morgado

Conheci o Dr. Joaquim Ribeiro Filho quando corri desesperada para o Hopital do Fundão para inscrever meu pai na fila de transplante de fígado na manhã do dia seguinte em que fui informada de que ele tinha indicação médica para realizar este procedimento. Não me lembro perfeitamente se era final de 2005 ou início de 2006, uma das médicas do Copa D'Or que estavam acompanhando meu pai durante sua penúltima internação me perguntou com a maior naturalidade sobre como andava o processo do transplante, ao que eu respondi meio chocada: "que transplante?".

Na verdade, meu pai já tinha indicação médica para realizar o transplante há pelo menos 2 anos, mas eu nunca soube disso. Ele era alcóolatra e portador de hepatite B e tinha voltado a a beber muito e praticamente todos os dias alguns anos antes. Ele ficava bastante agressivo e mesmo sóbrio não me falava muita coisa sobre sua saúde; o que eu sabia é que ele estava cauterizando varizes no esôfago e que teve alguns episódios de desmaio no meio da rua, sem maiores consequências. Meus pais se separaram quando eu tinha 2 anos de idade e eu sempre morei com minha mãe. Papai era uma pessoa muito difícil e instável, mas eu sempre o procurei (depois que cresci e virei adolescente, se eu não o procurasse, ele não me ligava nunca). Eu o amava, embora sentisse muita pena e alguma raiva dele também pelo que ele fazia a si próprio e principalmente à minha madrasta, que era um anjo em terra e cuidava dele com tanto amor e carinho que nem mesmo eu seria capaz.

Naquele momento em que a médica me perguntou sobre o transplante, eu tomei um choque, mas eu tenho um senso prático que às vezes até me assusta. Eu lembro que entrei no quarto dele -- essa conversa com a médica se deu no corredor do hospital -- e perguntei porque ele nunca tinha me falado sobre esse assunto e ele me respondeu meio irritado que "não precisava de nada disso"; na cabeça dele, aquilo era exagero dos médicos. Comecei a procurar imediatamente onde poderia realizar o transplante, o que era necessário para realizá-lo, que médicos faziam esse tipo de cirurgia... enfim, tentei juntar o máximo de informações que pude sobre o tema, já que era algo totalmente inédito para mim. Tenho uma tia que é assistente social, ela trabalhava com um cardiologista que conhecia o Dr. Joaquim e me disse para ir procurá-lo no Hospital do Fundão.

Fiz isso no dia seguinte pela manhã. Cheguei no Hospital do Fundão, me encaminharam para uma moça (cujo nome eu infelizmente não lembro), que me ajudou com a papelada que era necessária e me tirou algumas dúvidas gerais sobre o assunto. Esta mesma moça me encaminhou depois ao Dr. Joaquim. Lembro que ele foi extremamente atencioso comigo, tirou todas as minhas dúvidas sobre o processo do transplante, que eram muitas, me falou da probabilidade de sucesso da cirurgia, de como funcionava a fila, de como meu pai deveria se preparar para o transplante, do acompanhamento médico que ele deveria fazer lá mesmo, no Hospital do Fundão, até que ele estivesse pronto para ser operado, etc. Voltei toda feliz para o Copa D'Or para contar ao mei pai que tinha conseguido inscrevê-lo na fila, ele ficou momentaneamente quieto e depois se mostrou um pouco irritado por eu ter feito isso, mas eu já o tinha visto muito mais irritado com muitas outras coisas e achei que algum tempo depois ele ía encarar o fato de eu ter ido inscrevê-lo de uma forma positiva, afinal eu fui até o Fundão para tentar curá-lo. Ele estava falando comigo normalmente e continuei acompanhando meu pai no Copa D'Or por mais uns 15 dias, até que ele teve alta.

Após voltar para casa, meu pai simplesmente parou de falar comigo. Não atendia minhas ligações e se atendia sem querer o telefone fixo, desligava imediatamente após perceber que a voz do outro lado da linha era a minha. Tentei muitas vezes falar com ele, mas foi então que aprendi que não se ajuda quem não quer ser ajudado. Foi ao mesmo tempo um sofrimento e um alívio, mas se era assim que ele queria, eu ía respeitar a vontade dele. E simplesmente não o procurei mais. Meses depois, recebi no trabalho um telefonema de uma pessoa da equipe do Dr. Joaquim dizendo que meu pai nunca havia comparecido a nenhum dos exames e consultas que haviam sido marcados para ele. Consegui colocar os dois, meu pai e a moça do Fundão, em contato e deixei que ele mesmo cuidasse de si. Liguei algumas vezes depois para ela para saber se ele havia ido lá para iniciar o processo do transplante, mas a resposta era sempre negativa.

Mais alguns meses se passaram até que, novamente no trabalho, me ligaram do hospital São Vicente de Paulo dizendo que meu pai estava internado lá. Corri imediatamente para o hospital e pedi demissão para ficar o máximo de tempo possível com ele, e foi nesse tempo, quase dois meses da data em que fui avisada de sua internação até seu falecimento em 23 de novembro de 2006, que resgatamos a ótima relação de pai e filha que tínhamos quando eu era criança.

Do Dr. Joaquim e de sua equipe, guardo a lembrança de pessoas que mesmo sem nunca terem nos visto antes, a mim e a meu pai, se preocuparam em nos ajudar da forma que era possível. Não acredito que alguém que receba dinheiro para "furar fila" tenha tanto cuidado e carinho com pessoas que não teriam condições de pagar. Não sei porque o Dr. Joaquim está passando por isso, mas acredito em sua inocência. Se eu puder ajudar de alguma forma, estou à disposição. Atenciosamente,
(Fernanda Morgado)

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