terça-feira, 16 de setembro de 2008

Dr. Joaquim sempre presente na melhoria do sistema de transplantes

Revista Seleções
Doe vidaA doação de órgãos pode salvar muitas vidas. Emocione-se com este artigo e seja você também um doador.
Por Claudia Rodrigues - 5/2008


Damião Leite de Sousa, 31 anos, era um homem bonito e de porte atlético. Naquele sábado de maio de 2006, depois de ajudar a mãe, Teresinha, 72 anos, nas compras de supermercado, vestiu com cuidado seu melhor terno. Afinal, seria o padrinho de casamento de um grande amigo, em Teresina (PI). Planejando encontrar a namorada no fim da noite, subiu em sua moto e partiu em direção à igreja.

Por volta das 22 horas, Damião deixou a cerimônia rumo à casa da namorada. No caminho, um taxista que fazia uma ultrapassagem na contramão bateu de frente com a moto do rapaz. Muito ferido, ele ainda teve forças para pedir ajuda ao motorista do táxi, que, no entanto, não o socorreu. Não demorou para que o motociclista perdesse os sentidos e começasse a sangrar pela boca e pelo nariz.


Generosidade

A advogada Maria dos Remédios Sousa Lima Bedran, 49 anos, irmã de Damião, estava em São Luís (MA) quando recebeu o telefonema da família informando que o irmão havia sofrido um grave acidente. Ela voltou imediatamente para Teresina. Quando chegou ao hospital, na manhã do dia seguinte, encontrou a família desesperada e ouviu a terrível notícia: Damião estava na UTI, inconsciente, vítima de trauma cerebral.

Poucas horas depois, na sala de reuniões da UTI, Maria dos Remédios, ao lado do pai, Abílio, da mãe, Teresinha, e de outros irmãos, foi informada pelo médico de plantão de que Damião sofrera morte cerebral e jamais se recuperaria.

Hesitante, ciente do sofrimento da família, o médico dirigiu-se a Maria dos Remédios:

– A senhora já pensou em...

– ...doar os órgãos de Damião? – Maria dos Remédios completou.

Enquanto pensavam no assunto, um dos irmãos, Francisco, contou a Maria dos Remédios que, meses antes, Damião tivera uma conversa com ele sobre doação de órgãos depois de assistirem ao anúncio de uma campanha sobre o tema. Agora, ao pensar no irmão que morria, Francisco desejou que Damião sobrevivesse em outras pessoas que precisavam de transplante.

– Como podemos enterrar órgãos que estão vivos? – ele perguntou a Maria dos Remédios.

Depois de acompanhar os exames que constataram a morte cerebral do irmão, Maria dos Remédios e Francisco convenceram os pais que o certo era doar os órgãos de Damião. A família – os pais e os 11 filhos – seguiu passo a passo todo o processo.

A generosidade da família de Damião transformou – e salvou – vidas. Um homem, já incapacitado para o trabalho, fazendo hemodiálise diariamente e com pequena perspectiva de sobrevida, recebeu um dos rins de Damião e, oito meses depois, voltou ao trabalho. As córneas ajudaram duas crianças cegas a terem a visão restituída. O coração seguiu para um receptor em Curitiba e o fígado também foi doado. Maria dos Remédios ficou muito emocionada quando, um dia, recebeu um telefonema do homem que havia recebido o rim agradecendo o gesto que salvara sua vida.


Falta de órgãos

A história de Damião é tocante, mas, infelizmente, rara. “Há uma carência muito grande de doadores em todo o país”, observa o presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, Valter Garcia. Segundo ele, no Brasil são feitos por ano apenas cerca de 15 mil transplantes, e a fila de espera é de 70 mil pessoas. Ano passado, o número de pessoas que morreram enquanto aguardavam doadores variou de 5% a 30%, dependendo do órgão. O Brasil tem índices de doação mais baixos que o Uruguai, o Chile e a Argentina.

São 760 as instituições brasileiras que realizam transplantes. Dados do Registro Brasileiro de Transplantes informam que, de 7,3 doadores por milhão de habitantes em 2004, o Brasil passou a ter 6,4, em 2005, 6,0 em 2006 e chegou a 6,2 em 2007. “Apesar da recuperação na taxa de doação no segundo semestre de 2007, medidas organizacionais e educacionais devem ser reforçadas para retomar o crescimento continuado dessa taxa”, diz Valter Garcia. “O Brasil tem centros de transplante de nível internacional. É o país que realiza o maior número de procedimentos desse tipo pela rede pública. Mas a captação de órgãos não é eficiente”, diz o professor Silvano Raia, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pioneiro no transplante de fígado no Brasil.

O principal motivo para a falta de órgãos é a desorganização na captação. Faltam pessoas capacitadas para fazer a identificação dos possíveis doadores e a manutenção artificial dos órgãos do potencial doador que teve morte cerebral. E a maioria dos hospitais descumpre a lei que os obriga a notificar às centrais de doação os diagnósticos de morte encefálica. “Alguns médicos mal preparados, por medo ou preconceito, nem sugerem a doação à família. É um momento de perda de uma pessoa querida e é preciso saber abordar. Mas quanto mais eficiente for a abordagem, melhor será o resultado. O Brasil capta apenas 1/4 do que precisa”, diz o professor de Cirurgia Geral da Faculdade de Medicina da UFRJ, Joaquim Ribeiro, doutor em transplantes pela Universidade de Paris e presidente da ONG Grupo de Fígado do Rio de Janeiro.

No caso de morte cerebral os hospitais são obrigados, por lei, a notificar e comunicar à Central de Transplantes. Desde 2001, os hospitais com UTI deveriam formar comissões intra-hospitalares, cuja função é incentivar a doação de órgãos. O Ministério da Saúde prevê a publicação, ainda sem data marcada, de uma portaria estimulando a criação de “brigadas”, grupos de busca ativa de potenciais doadores. Eles vão trabalhar nas grandes emergências dos estados brasileiros, em parceria com as comissões intra-hospitalares. Não vai haver duplicidade de atuação, pois essas brigadas serão integradas por psicólogos, de modo a fazer a abordagem mais correta aos familiares do potencial doador, num momento tão complexo.


Processo de doação

É preciso derrubar alguns mitos sobre a doação de órgãos. Embora muitas pessoas acreditem que sua religião não permite a doação, quase todas as principais religiões a entendem como um ato humanitário. Além disso, os médicos responsáveis pelo transplante só são chamados depois de feitos todos os esforços para salvar a vida do paciente. Quando a morte encefálica (ou cerebral) é declarada e confirmada por dois exames clínicos e um exame de imagem, os médicos podem receber a autorização para a captação de órgãos e tecidos.

O processo de doação dura, em média, 24 horas, e o corpo então é liberado para os trâmites do enterro. Os cortes da cirurgia são cuidadosamente costurados, de modo que é possível manter o caixão aberto durante o funeral. Segundo Valter Garcia, não há sequer como identificar o corpo de um doador. Os planos de saúde cobrem a doação de córneas e rins, mas a maioria dos transplantes é feita pelos hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde). Muitos segurados desconhecem a cobertura que os planos oferecem para esses dois tipos de transplantes, acrescenta Valter Garcia.

Os órgãos transplantáveis são: coração, pulmões, rins, fígado, intestino e pâncreas. Os tecidos são: córneas, valvas cardíacas, osso, pele, tendões e ligamentos. E existe ainda o transplante de células, como o de medula óssea.

Enquanto um número maior de pessoas não concordar com a doação, e os médicos hesitarem na hora de pedir às famílias os órgãos de seus parentes, pacientes continuarão morrendo desnecessariamente. “As pessoas não querem perder aqueles que amam, mas têm de entender que a morte cerebral é irreversível”, diz Maria dos Remédios. “Graças a Deus tem alguém vendo o mundo com os olhos do meu irmão”, emociona-se ela.

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