sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Dr. Joaquim Ribeiro Filho e Heliete Vaitsman na Revista "Ciência Hoje"

Esperança de recuperação para o fígado
MEDICINA Novas técnicas cirúrgicas podem substituir transplantes

A escassez de órgãos para transplante poderá deixar de ser, nos próximos anos, um drama para os cerca de 3 mil brasileiros que aguardam a doação de um fígado. Novas técnicas cirúrgicas, capazes de tratar tumores, hemorragias e cálculos hepáticos, estão sendo introduzidas no país, como alternativa à falta de doadores compatíveis, pela equipe do médico Joaquim Ribeiro Filho, responsável pelo setor de cirurgia e transplante de fígado do Hospital Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Uma dessas técnicas, com 21 casos relatados no Japão e 15 na França, foi usada pela primeira vez no Brasil em agosto do ano passado e é considerada uma esperança para pacientes em que o câncer tomou quase todo o fígado. A cirurgia, que leva aproximadamente duas horas e meia e não exige transfusão de sangue, começa com a obstrução da veia porta direita, que vai do intestino para o fígado, no lobo direito do órgão. O processo de obstruir a veia, com um êmbolo, é guiado por tomografia computadorizada. A obstrução induz à hipertrofia do pequeno lobo esquerdo do órgão. Dessa forma, é possível, numa segunda cirurgia, fazer a ressecção de até 80% do fígado afetado pelo tumor.

Já para um paciente com cirrose, em que há risco de vida por causa de hemorragia digestiva, a novidade é a colocação de uma prótese para desviar uma parcela do sangue que vai para o fígado, diminuindo assim a pressão sobre ele. A diminuição da pressão faz com que desapareçam as varizes do estômago e esôfago, responsáveis pela hemorragia. Como é feita de material sintético rígido -- o mesmo empregado em cirurgias de recuperação arterial -- a prótese não dá origem a nenhuma obstrução, ao contrário do que ocorria com outros materiais, cuja colocação não garantia a redução da pressão por muito tempo.

O maior benefício dessa cirurgia, ainda pouco adotada no Brasil embora seja conhecida desde 1992, é interromper o processo de deterioração do fígado cirrótico. Cessam as hemorragias e isso garante ao paciente de cinco a 10 anos de sobrevida. No caso de cirrose causada pelo vírus da hepatite B, a prótese pode ser a única solução, já que o transplante é contra-indicado, pois o vírus voltaria a se instalar, com agressividade até maior, no órgão transplantado.

Para Joaquim Ribeiro Filho, doutor em transplantes de órgãos e cirurgia de fígado e residente do programa de transplantes do Hospital Saint Antoine, da Universidade de Paris 6 (França) entre 1986 e 1990, as novas técnicas mostram ainda que o fígado, o órgão mais complexo do organismo humano, é tão tratável quanto outros órgãos. Ele deplora que persista, entre os médicos brasileiros, a impressão de que fígado doente não tem tratamento. “Quanto mais tempo se retarda a terapia, mais a doença avança. A verdade, porém, é que quase sempre há como tratar do fígado”, diz Ribeiro Filho.

A importância das novas técnicas cresce quando se sabe que, em todo o mundo, de cada 100 doadores potenciais de fígado só 45% preenchem os critérios para um transplante, entre eles o grupo sangüíneo e a relação de tamanho e peso entre o doador e o receptor. Mesmo em países como a Espanha, com excelente sistema de transplantes, faltam doadores. Além do problema da incompatibilidade, uma explicação para essa carência é a existência de melhores recursos para tratar de traumatismos cranianos causados por acidentes, o que resulta em menor número de casos de morte cerebral.

Os cálculos intra-hepáticos, decorrentes de graus avançados de doenças biliares, também já têm tratamento cirúrgico, desenvolvido e usado até hoje só na China e, agora, no Rio. Com a técnica, retira-se primeiro a metade mais afetada do fígado e em seguida todos os cálculos da outra metade. Coloca-se então uma ‘alça’ intestinal ligada aos canais biliares no interior do fígado, com uma extremidade na região subcutânea. Isso tanto permite o escoamento da bile para o intestino quanto a retirada, por endoscopia, de cálculos que venham a se formar no futuro. A ‘alça’ impede a obstrução e torna desnecessárias outras cirurgias de grande porte.

Heliete Vaitsman
Especial para Ciência Hoje/RJ
(não encontramos a data da publicação - é de, aproximadamente, 10 anos atrás)

Nenhum comentário: