Só mais uma coisinha sobre a matéria abaixo: se o investigado for denunciado pode-se fazer tudo o que os jornais fizeram? Ou é preciso assegurar o contraditório, verificar a defesa nos autos, denúncias de abusos pela parte denunciada etc? No mínimo, um pouco mais de cuidado com a linguagem e com o uso de imagens.
Leiam o texto abaixo e depois verifiquem a matéria da Revista IstoÉ Online.
4 de dezembro de 1996
EDUARDO ARAÚJO DA SILVA
O papel da imprensa no caso do bar Bodega
O denominado crime do bar Bodega, ocorrido no dia 10 de agosto de 1996, no interior de uma choperia localizada em Moema, bairro nobre da cidade de São Paulo, no qual dois jovens da classe média paulistana morreram, de forma brutal e desnecessária, comoveu a opinião pública do Estado. Pressionada, 15 dias após o evento criminoso, a polícia apresentou aqueles que seriam os responsáveis pela morte das vítimas: cinco jovens negros e pobres, moradores da periferia da região da Grande São Paulo.
Expostos à imprensa como animais bravios, algemados e com placas dependuradas em seus corpos, indicando números, foram fotografados, filmados e entrevistados por dezenas de repórteres de rádios, tevês, jornais e revistas. No final do mês passado, entretanto, foram colocados em liberdade, pois o Ministério Público não encontrou suficiência de elementos de prova nos autos, no sentido de indicar suas participações no crime e identificou sérios indícios de que teriam confessado o delito sob os mais cruéis métodos de tortura.
Parte da imprensa, então, deu-se conta de que, mais uma vez, a exemplo do ocorrido recentemente no chamado crime da Escola Base, embarcou na notícia de uma investigação infeliz da polícia, que salvo novas evidências em contrário, inicialmente identificou inocentes como os verdadeiros autores do duplo latrocínio. Mas esse aparente erro inicial da polícia, na investigação do crime, não socorre o comportamento de parte da imprensa, como forma de justificar sua conduta.
Como todos os ramos da atividade humana, os profissionais da imprensa, notadamente aqueles que trabalham na área policial, não devem perder de vista os valores éticos no exercício de suas atividades, em prol de eventuais interesses comerciais. As reiteradas divulgações de imagens de pessoas que figuram como simples investigados, em situações degradantes, merecem ser repensadas. A condição de meros suspeitos não se equipara à de formalmente acusados. Um acusado só pode ser tratado como tal depois que o Ministério Público, titular constitucional da ação penal pública, oferecer denúncia contra o investigado.
Apenas a título de exemplo, é salutar salientar que na apuração do crime de homicídio, praticado recentemente contra uma brasileira, no Central Park, nos Estados Unidos, a polícia americana deteve cerca de 800 suspeitos, segundo informes jornalísticos, e nenhum deles teve sua imagem divulgada pela imprensa, em respeito a sua condição de mero investigado, sendo certo que o crime ainda continua com autoria desconhecida.
Outro aspecto que merece ser repensado relaciona-se com a formação do jornalista que milita na área policial. É necessário que as informações recebidas das autoridades sejam filtradas, sob o ponto de vista crítico. Para tanto, de rigor o domínio de conhecimentos técnicos mínimos sobre essa área de atuação, afigurando-se conveniente que o profissional seja bacharel em direito, ou que os cursos de jornalismo implantem como matéria nos seus currículos noções de direito, ainda que em nível de especialização.
Por derradeiro, impõe-se que os profissionais da imprensa tenham em mente a exata dimensão da repercussão dos seus atos em relação a um cidadão investigado. Diz-se que no Brasil não há pena de morte para os crimes comuns, o que é uma verdade do ponto de vista jurídico. Há, contudo, uma espécie de pena capital, qual seja, a morte civil e moral perante a sociedade daquele que tem sua imagem indevidamente divulgada como o autor de um crime grave. E essa espécie de morte, como a morte física, não há dinheiro que repare.
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